“O impacto do conforto e da performance do produto nas vendas” foi o tema do Happy Hour com Tecnologia do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos - IBTeC - no dia 15 de julho. Mais uma vez, o evento aconteceu no formato de live, com transmissão simultânea pelos canais oficiais do Instituto, no Facebook e no Youtube.
O coordenador da Unidade de Biomecânica do IBTeC, doutor em Biomecânica Rudnei Palhano, coordenou o encontro, que teve como debatedores José Luiz Hurmann Filho, responsável técnico e do sistema de gestão da qualidade da Bompel; Reges H. A. da Costa, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Veja/Vert Shoes, e David Hergemoller, gerente de estilo e criação das marcas Comfortflex e Ramarim.
Rudnei Palhano abriu os trabalhos falando da história de 48 anos do IBTeC no desenvolvimento de pesquisas e tecnologias para o setor coureiro-calçadista. Falou sobre os laboratórios e do seu papel como apoiadores de empresas do setor calçadista. Palhano chamou a atenção para as alterações que os calçados sofreram ao longo dos anos, entre eles os materiais, que passaram por diversas evoluções, além de processos de produção e design dos calçados. E questionou os debatedores sobre a forma com vêem a contribuição das empresas para que o calçado chegue ao consumidor final.
Reges da Costa afirmou que a tecnologia evoluiu muito e mencionou questões como biomateriais, sustentabilidade e produtos naturais. Sem as tecnologias não seria possível todo este avanço, acredita. Lembra que há cinco anos não havia desenvolvimento nestas áreas e as portas estavam fechadas para estas novidades, e a taxa de parcerias não passava de 25%, quando as indústrias eram desafiadas a investir em desenvolvimento e apostar em novos produtos. “E de cinco anos para cá, houve uma mudança muito grande em investimentos, em ações colaborativas. O mercado respondeu mais rápido e se preparou para isto. Sou fã dos processos tecnológicos; sem tecnologia não conseguiríamos construir sapatos com a qualidade que se faz, especialmente no mercado de esportivos”.
Convidado a dar sua opinião sobre a questão, José Luiz Hurmann Filho afirmou que o setor de EPIs, é um pouco diferente dos demais setores calçadistas, porque é regido por uma legislação compulsória que precisa ser atendida. Nos últimos anos, houve um avanço muito grande no calçado de EPI, principalmente a partir de 2008, quando o Brasil adotou algumas normas internacionais, as normas ISO, com uma evolução muito grande para o setor, porque trouxeram a necessidade e ensaios e outros produtos que algumas normas engessavam um pouco. Destacou que no caso da Bompel, a empresa já vinha buscando novas tecnologias e obteve avanços muitos grandes. Entre eles, destacou a questão do coeficiente de atrito dos solados, com melhoria significativa muito grande na performance para buscar mais eficiência do escorregamento, sem esquecer questões que estão relacionadas ao conforto do calçado, como o índice de amortecimento do impacto da pisada. As forrações internas também tiveram melhorias nos calçados de segurança, com maior permeabilidade e menos peso, o que também resulta em mais conforto. A Bompel, por ter um curtume próprio, consegue fazer o desenvolvimento de materiais na parte de couro, com artigos para necessidades específicas. E a evolução dos produtos permitiu que se use materiais não-couro, com muita qualidade de acabamento e desempenho do equipamento como um todo.
Davi Hergemoller foi convidado a dar o depoimento sobre os impactos da evolução de materiais para os calçados de moda. Para ele, pode-se dividir esta evolução em três pontos: melhorias de processos e aumento de produtividade, o conforto especificamente e a questão da sustentabilidade. Quando se fala em melhoria de processos e aumento de produtividade, mencionou as impressoras 3D, ainda pouco usadas pela indústria calçadista. Contou que o Grupo Ramarim está implantando o sistema que tem como objetivo diminuir o tempo entre a parte criativa e a produção. A ideia é internalizar todo o processo entre a criação e a colocação do modelo na produção. No seu entendimento, a tecnologia do 3D pode contribuir muito e tem muito espaço para crescer dentro da indústria calçadista. No quesito conforto, Davi salientou a evolução enorme no que diz respeito a tecnologias de amortecimento, na questão de palmilhas, forros dos mais diversos tipos, com antibactericidas, e agora com propriedades antivirais, bolhas de ar comprimido e gel para amortecimento da pisada. Quando o assunto é sustentabilidade, Davi salientou o salto enorme dado na questão do custo, porque incialmente a sustentabilidade era muito cara, era quase que inviável de utilizar em produtos. E agora está entrando no patamar de viabilidade. Lembrou que hoje se tem acesso a sintéticos livres do uso de solventes, cabedais à base de fios de pet e, mostrou um modelo de tênis fabricado pelo Grupo Ramarim com cabedal 100% produzido com fios de garrafas de pet (cada par de tênis tira uma garrafa de pet do meio ambiente). O solado tem 30% de material de reaproveitamento, couraças e biqueiras feitas com materiais de reaproveitamento. Hoje a Ramarim reaproveita 50% de seus rejeitos sólidos, transformando em componentes para a produção dentro da própria empresa - e o objetivo é chegar ao índice de 100% de aproveitamento de resíduos sólidos.
Palhano chamou a atenção para o fato de que o IBTeC consegue comprovar toda a eficiência e a funcionalidade de materiais que são usados em calçados, a partir da realização de ensaios nos laboratórios da instituição. O coordenador do Happy Hour informou aos demais participantes que o IBTeC está fazendo um trabalho intenso junto à ABNT, para transformar as normas de conforto desenvolvidas há duas décadas pelo IBTeC, com a chancela da ABNT, em normas internacionais, com a globalização do conforto.
Qual a importância de testar os produtos para a comprovação da funcionalidade dos materiais? Este foi o segundo questionamento feito pelo coordenador aos debatedores.
José Luiz disse entender que o EPI está regido por regras compulsórias, o que exige que o calçado possua uma certificação, a partir da realização de ensaios de laboratório. Salientou que desde 2006 a Bompel tem um contrato de parceria para desenvolvimento com os Laboratórios de Biomecânica do IBTeC, para trabalhar a questão da tecnologia do conforto.
A Veja/Vert tem uma preocupação muito grande com os produtos que coloca no mercado. Como trabalha com muitos materiais novos para o segmento e para os consumidores, como biomateriais, “temos uma coleção certificada, com todos os materiais intensamente testados, com ensaios físicos, mecânicos e biomecânicos. A empresa tem uma preocupação muito grande com o que vai colocar e o que vai comunicar no mercado. A transparência é um dos valores da marca, que informa tudo o que tem dentro do calçado. Todos os produtos Veja/Vert são auditados por laboratórios como os do IBTeC”, afirmou Reges.
Davi afirmou que a Comfortflex tem dez tecnologias que são funcionais, e não meramente estéticas. A maior parte delas foi certificada e testada no IBTeC. A preocupação é com o cliente final, que o que for entregue seja real e verdadeiro para todas as marcas da Ramarim. Disse acreditar que as certificações são muito importantes, mas entende que é preciso comunicar melhor ao consumidor final estas características, para que isto gere valor ao produto final. Se o consumidor entender que a certificação vai garantir a ele um produto melhor, ele vai pagar mais por isto. Davi contou que uma pesquisa feita pelo Grupo Ramarim junto aos lojistas entre 2018 e 2019 revelou que os clientes finais aceitam pagar até 25% mais por um produto que ofereça qualidade de fato. No seu entendimento, a pesquisa mostra que vale a pena investir em tecnologia e em selos que garantam esta qualidade.
Sobre estratégias para comunicar os diferenciais dos produtos ao consumidor final, Davi Hergemoller salientou que alguns produtos já têm tecnologia que é perceptível, visualmente. Os produtos em couro todos recebem um selo aplicado em cima da palmilha nos produtos da Ramarim, para que eles saibam avaliar a diferença. A ideia é conversar com o consumidor de uma maneira simples e efetiva. No caso das tecnologias, a empresa usa as mídias sociais para comunicar os diferenciais dos produtos das marcas da empresa, além do PDV nas lojas. Para os lojistas, a indústria envia material de apoio para que eles possam fazer esta venda qualificada.
Por trabalhar com exportação, e estar no mercado global, a Veja/Vert tem sistemática própria de comunicação. A marca não investe em propaganda, o que coloca o desafio de passar ao consumidor final as informações sobre o desenvolvimento de um tênis esportivo com conforto e suporte técnico para sua funcionalidade e com uso de materiais com pouco petróleo. A estratégia adotada foi enviar os calçados para atletas que correm, para pessoas que praticam esportes, formadores de opinião, e buscar sua opinião sobre o produto. O resultado foi muito bom, com feedback de formadores de opinião, youtubers que atuam em canais de esportes e corrida, grupo de corredores, em todo o mundo.
A Bompel tem preocupação muito grande com relação à funcionalidade do calçado. Tanto que o slogan da empresa é performance profissional. “Tornar a rotina dos usuários dos nossos calçados mais agradáveis é a nossa missão”, afirmou José Luiz Hurmann Filho. Todo o profissional que trabalha contente tem uma performance também melhor na sua atividade. Como fazer isto chegar ao consumidor é outra preocupação. O nosso consumidor é o trabalhador, mas normalmente não é ele que faz a aquisição deste produto e por isto a dificuldade de fazer chegar a informação até os usuários dos calçados. A venda de calçados de segurança é técnica.
Quando questionados sobre os impactos da pandemia na aquisição de insumos, e se haverá um fortalecimento do mercado interno na questão do fornecimento para a indústria de calçados, Davi afirmou que houve um impacto muito grande na área criativa e de desenvolvimento, em função do atraso e demora. Ainda não houve impacto mais sério com relação a questões de materiais na Ramarim. E salientou que para os fornecedores internos, “é interessante lembrar que um momento de instabilidade pode se tornar um momento de oportunidade. Talvez este seja um momento propício para que algumas empresas realmente consigam ter um espaço no mercado”.
Reges comentou que como o escritório da Veja/Vert tem o escritório geral em Paris, e como a pandemia aconteceu primeiro na Europa, eles já comunicaram no Brasil sobre o que poderia acontecer em relação a abastecimento e fornecimento. Com muito planejamento e parceria, a empresa conversou com os fornecedores, e ajustou para passar pelo período sem maiores impactos, o que funcionou muito bem. A marca não teve pedidos cancelados, e manteve todos os compromissos com as fábricas. Assim, foi possível passar o primeiro semestre muito bem, e o planejamento do próximo semestre está sendo feito com os fornecedores e parceiros.
Na Bompel, segundo José Luiz, a empresa não chegou a ser afetada. E hoje está com estratégias para manter a produção. Disse acreditar muito no brasileiro, que tem capacidade de adaptação e de transformação, e elencar novas estratégias, e deverá sair fortalecido deste processo, ao final da pandemia.
O consumidor mudou - qual a visão de vocês para o pós-pandemia, questionou o mediador.
Davi Hergemoller entende que haverá uma aceleração do que já estava ocorrendo, como o comércio digital e o assunto sustentabilidade. A exigência de produtos com mais qualidade e menos fast fashion, também era uma tendência que já vinha sendo observada, e que deverá ser acelerada. As pessoas estão valorizando quem traz algo diferente e consegue comunicar isto de forma clara, e que entregue o que está prometendo. Uma questão que vem sendo observada, segundo Davi é o aumento do número de pessoas que não tinham o hábito de fazer compras pelos canais digitais, e por uma questão de necessidade foram obrigadas a entrar, viram que é bom, prático, e provavelmente vão continuar comprando por estes canais depois do final da pandemia. No caso do Grupo Ramarim, as consumidoras da marca Comfortflex, que têm uma faixa etária mais elevada, estão apresentando o maior incremento da participação das vendas pelos canais digitais.
Reges da Costa opinou que “certezas a gente não tem, mas a gente vê pistas muito boas do que vai se afirmar - a aceleração digital, a comunicação cada vez mais direta com o consumidor, mais transparência, mais agilidade, caminhos que não têm mais volta”. A fidelização, que antes era feita na relação de confiança pessoal, através da loja, as marcas vão ter que aprender a conquistar individualmente com cada consumidor, com muita transparência, com muita informação e com muita atenção digital, preconiza.
José Luiz Hurmann Filho entende que os meios digitais, que já existiam, foram fortalecidos no momento da pandemia. Mesmo quem precisa fazer uma venda mais técnica, como é o caso da Bompel, vai ter que usar as ferramentas digitais. E isto foi muito interessante e deve permanecer no futuro.
A próxima edição do Happy Hour com Tecnologia está agendado para o dia 29 de julho, com o tema “Reestruturação da indústria calçadista: como inovar e se reposicionar sem perder competitividade". Neste encontro, que terá o presidente executivo do IBTeC, Paulo Griebeler, como mediador, já estão confirmados os nomes do CEO do Grupo Vulcabras Azaleia, Pedro Bartelle e Carlos Alberto Mestriner, diretor presidente da Klin Calçados Infantis.
As empresas patrocinadoras do Happy Hour com Tecnologia de 2020 são: Colorgraf, Grupo Stickfran, Killing S/A, Merkator Feiras e Eventos, Solvay Group / Rhodia e Zahonero.