Formada em Letras, com especialização em Produtos, Design Estratégico, fazendo Mestrado em Biotecnologia na USP, Irene Flesch foi a palestrante do Happy Hour com Tecnologia do IBTeC, no dia 29 de agosto.
A biodesigner Irene Flesch, diretora da Antimateria Design, uma das profissionais mais solicitadas pelo mercado de inovação, falou sobre o Biocel, biocelulose e biotextil produzido por levedura. O produto, resultado de suas pesquisas, está sendo apresentado ao mercado como matéria-prima para a produção de artefatos e roupas.
Irene Flesch formou-se na área de Produto, atuou em produtora de vídeo, em SP, criou sua empresa de cenografia, onde atendeu marcas de moda como C&A e Shopping Iguatemi em SP, trabalhando com personagens como Rick Martin e Gisele Bundchen, além de outras celebridades. Neste trabalho teve aprendizado de gestão de projetos, liderança de equipes, e trabalhar com back line apertado, com expectativa de valor e de qualidade bem alta.
Mas com o tempo, sentiu necessidade de um trabalho mais autoral. Foi aí que começou a pensar em ter um atelier, de onde surgiram as primeiras ideias do Antimateria, voltada para a criação e inovação, e sustentabilidade. Ele contou que “sempre tive a relação com a busca por materiais diferentes”.
Começou com a fibra de bananeira, que a princípio foi feito para papel de parede. Experimentou aplicar em uma bolsa. Depois foi para diferentes tipos de couro e plástico reciclado. Nas pesquisas, deparou-se com o trabalho da designer inglesa Suzanne Lee, a primeira pessoa a falar em uma celulose que era um material super-resistente, fino, leve, produzido por bactérias e leveduras. Irene decidiu que queria experimentar este produto, e iniciou suas próprias experiências no atelier.
O próximo passo foi buscar apoio de um cientista, porque não tinha conhecimento nesta área. Encontrou Paulo Zaini, biólogo e bioquímico, que deu o direcionamento para o trabalho de pesquisa neste universo dos microorganismos.
Foi para a California, atrás da Sasha Laurie, bioartista que produz objetos e roupas com biocelulose. Laurie abriu seu trabalho e deu amostras para que tivesse referências e pontos de partida.
A partir daí, ela começou a estudar biotecnologia, e por isto está fazendo o Mestrado na USP, e hoje é colaboradora de um blog, onde se faz divulgação da profissão e das iniciativas da biotecnologia.
Falando sobre macrocenário, para mostrar os desafios para quem quiser trabalhar na área, Irene apresentou a realidade do mercado têxtil, que movimenta US$ 2,4 bilhões anuais, números que se refletissem a situação de um país, colocaria o setor como a sétima maior economia do Planeta. Mas é um segmento que produz muita emissão de carbono, desperdício de tecidos e de recursos. Isto falando exclusivamente do setor têxtil, que representa somente uma parcela do mercado de moda.
A cada segundo, são descartados em aterros sanitários ou queimados o equivalente a um caminhão de sobras de tecidos no mundo.
Uma pesquisa global aponta que o crescimento da compra de roupas é maior do que o crescimento do PIB mundial. A mesma pesquisa mostra que o tempo de uso das roupas tem diminuído de forma drástica, o que resulta no aumento da quantidade de compras.
Ela lembrou ainda a questão do plástico – pesquisa aponta que são descartados 8 milhões de toneladas de plástico por ano, descartado no Oceano. Sem falar dos rios e do solo.
Estas informações levaram à conclusão de que o biodesign pode ser uma solução. Seria uma forma de fazer uma transição para uma solução com sistemas generativos – ou seja, a ideia de que as coisas sejam circulares. Hoje temos um sistema linear, que não se preocupa com o final do processo. O sistema generativo prevê que o descarte seja feito numa visão de que aquilo que não serve mais seja insumo para um próximo ciclo. A economia circular elimina o conceito de resíduos. Há duas formas de conseguir isto – uma é trabalhar com materiais biodegradáveis, que poderiam ser reabsorvidos pela natureza, como fertilizantes, entre outras utilidades, ou a reciclagem finita, a partir da reciclagem sistemática.
A Bioeconomia – área da economia que reúne todos os setores que utilizam recursos biológicos ou seres vivos, também foi abordada na palestra. De acordo com a palestrante, “pensando de uma forma avançada, que é para onde estamos querendo ir, para onde estamos fazendo a transição, sistemas industriais renováveis, aliados com os preceitos da economia circular, e de base biológica. Falou ainda da introdução do princípio da Economia B, onde além dos valores financeiros, um movimento global vem ganhando força, em que os negócios competem para ser melhores para o mundo, para as pessoas e para o meio ambiente. A ideia é que a economia tenha o ímpeto de gerar riquezas, mas com o propósito de melhorar o mundo. Sem desconsiderar a importância da sustentabilidade econômica, que é fundamental para a movimentação do mundo, mas incluindo um novo valor, que não fosse exclusivamente o financeiro.
“Precisamos incluir um novo valor, porque se pensarmos a longo prazo, em um cenário de degradação, vamos chegar a um ponto em que o dinheiro não vai poder comprar uma regeneração, e pode passar a ter um valor menor do que a possibilidade de regeneração”, prega Irene Flesch.
Ela provocou o público a pensar: o que é o biodesign? “Não é um método focado em objetos, estética ou produto; é um método para entender o contexto social e cultural; identificar comportamentos e problemas e as soluções customizadas”. O biodesign preocupa-se com o contexto, com processos e com métodos, integrando o design com sistemas biológicos, unindo cientistas, artistas e designers para trabalhar em conjunto. Envolve a ideia de cultivar materiais e objetos; diferente da nossa concepção de fábricas.
Com relação à inovação, lembrou Suzanne Lee, que foi quem vislumbrou a possibilidade de usar a biocelulose à moda. Ela imprimiu um novo olhar para o uso deste material. Ela foi muito corajosa, porque mergulhou neste processo e nestas pesquisas, e inspirou muita gente no mundo inteiro, para olhar não apenas para o material, mas para a forma de pensar e de fazer de outra maneira, pensando na regeneração.
Irene lembrou que a biotecnologia é um processo muito caro, que leva muito tempo, e que por isto é mais usado em industrias médicas ou farmacêuticas.
No final, a barreira é a dificuldade de o consumidor dar valor a estas propostas. Citou os LOHAS – Lifestyles of Health and Sutainability – um novo tipo de consumidor que está surgindo no mundo. Mostrou números de pesquisas que mostram nos EUA, 86% dos consumidores de maneira geral afirmam que têm expectativas de que as empresas atuem nas questões sociais e ambientais. No Reino Unido, os millenials (pessoas que nasceram em 1977 e 1995), 72% das pessoas se propõem a pagar mais por produtos de empresas que tenham comprometimento com o impacto positivo, tanto social quanto ambiental.
Irene apresentou dados de pesquisas sobre o comportamento em diferentes partes do Planeta. Na China, quase 60% dos consumidores de luxo afirmaram que pagariam mais por marcas éticas.
Um estudo global não tão recente compara 2013, 2014, 2015, e conclui que em 2015 66% dos entrevistados estavam dispostos a pagar mais por bens sustentáveis, contra 50% em 2013. A expectativa é de que estes números venham crescendo e que mantenham este ritmo.
No Brasil, uma pesquisa feita em 2015 mostrou que 95% dos entrevistados em várias classes sociais preferem empresas que defendem os objetivos do desenvolvimento sustentável e que tenham ações para melhorar a vida de todos no planeta.
E uma última pesquisa mostra que no Brasil 38% das pessoas incorporaram práticas sustentáveis em suas vidas em 2018 , contra 32% em 2012. O crescimento é modesto, mas no Brasil, a crise deve ter tido sua participação para que tivéssemos estes números. Em momentos de crise, com certeza o preço fala mais alto na hora do consumo.
No Brasil, em congresso recente de bioeconomia, ficou evidente que existe uma expectativa bem grande de que o país tenha uma participação bem grande nos próximos anos, que tenhamos uma liderança na produção de biocombustíveis e o pais tem condições de atuar competitivamente no cenário global.
Uma notícia positiva é que o Brasil é líder em biodiversidade no mundo. A cada três dias se descobre uma nova espécie na Amazônia. Temos riqueza de inteligência da natureza, de recursos e de inteligência genética, que nos coloca em vantagem nesta área.
Para finalizar, Irene citou uma fala do presidente executivo da Associação Brasileira de Biotecnologia Industrial, Bernardo Silva, que falou em encontro nacional que esta é a maior oportunidade de negócio da atual geração. Ele alertou ainda para o fato de que neste setor o Brasil tem condições de competir com os principais players globais, lembrando que o Brasil está na vanguarda, mas precisamos que todos estejam engajados para não perdermos mais um bonde.